> Meus desacontecimentos: a história da minha vida com as palavras – Eliane Brum

Com um suspiro. Forte e prolongado. Às vezes ocasionado pela emoção; em outros momentos pela dor. É sempre assim que respiro ao terminar uma leitura da jornalista – e mulher inspiradora – Eliane Brum. Foi assim em “A Vida que Ninguém vê”, “O Olho da Rua”, “A Menina Quebrada” e em “Uma Duas”. Logo, não haveria de ser diferente com “Meus Desacontecimentos: a História da Minha Vida com as Palavras”, publicado em 2014 pela editora Leya, e avistado por mim assim que entrei no sebo Nova Floresta.

O livro é a autobiografia da profissional que, assim como Caco Barcellos, me encorajou a dar o primeiro passo rumo ao meu sonho, quando eu tinha 18 anos. Ou, como ela mesma escreve, após fazer para si, a mesma pergunta que faz aos seus entrevistados, Eliane realiza um percurso de dentro para dentro. E antes que os seus leitores embarquem em suas lembranças e recordações, ela os avisa:

Esta é a minha memória. Dela eu sou aquela que nasce, mas também sou a parteira.

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Foi incrível sentir a presença da autora e de sua família ao meu lado a cada virada de página. Desde a dedicatória até o último capítulo do livro, Eliane não deixa de contar a sua vida e como ela se relaciona com os seus descendentes, independente de estarem vivos ou mortos. Cada lembrança é relatada de forma intensa, e em cada recordação há um enigma a ser desvendado pelo leitor.

Confesso que ao ler a história de Teresinha, avó de Eliane, fui consumida por uma imensa vontade de um dia a ter conhecido. A escritora nos conta que em sua adolescência vivia fugindo das festas de família com a avó para fumar e beber cachaça escondidas. Mas não fora essa ação da velhinha que me conquistou: desde criança, Teresinha era uma aluna aplicada e leitora esfomeada, com o sonho de um dia se tornar professora. Depois de algumas surpresas inusitadas da vida, a avó conseguira abrir na cidade uma escola de datilografia, escola que Eliane fora matriculada aos 11 anos de idade para aprender a usar uma velha máquina de escrever da marca Remington.

Enquanto escrevo, minha avó me observa sem nada dizer. Instalei minha escrivaninha-xerife bem ao lado de sua máquina de costura. Mantenho as linhas, as agulhas e os dedais intactos, na impecável organização que ela deixou ao morrer. Invento para mim mesma que ela se orgulha de mim.

Toda vez que tenho a oportunidade de reler os textos dessa jornalista eu tento me concentrar ao máximo em cada palavra escrita por ela, pois em cada uma existe um sentimento a ser descoberto. Nada é por acaso em seus devaneios. Nenhuma vogal ou consoante, nem mesmo uma palavra monossílaba ou trissílaba está ali simplesmente por estar. Perder a concentração durante a leitura fará com que eu chegue ao final do texto sem a total compreensão da mensagem súplica ali registrada por Eliane. Uma total vergonha, na minha opinião.

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142 páginas cheias de sentimentos. E outra história que me desmoronou foi a da irmã de Eliane, que deixou de existir ainda com poucos meses de idade. Senti uma pontada nas costas, como se alguém estivesse tirando novamente o líquido da minha espinha, quando soube do diagnóstico da morte da Maninha… talvez por eu ter passado pela mesma situação quando tinha sete anos de idade. Mas, por um milagre, estou aqui, fazendo o que eu amo. Escrevendo.

Depois que li Meus Desacontecimentos: a História da Minha Vida com as Palavras, desejo um dia ter a chance de ouvir Eliane Brum relembrar os registros de sua vida como jornalista, como ser humano, enquanto olho fixamente para o rosto da mulher gaúcha, deixando a sua voz se tornar música para os meus ouvidos.

Nick

4 comentários sobre “> Meus desacontecimentos: a história da minha vida com as palavras – Eliane Brum

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